QUANTO VALE OU É POR QUILO?



QUANTO VALE OU É POR QUILO?


“A bondade é o melhor status que o ser humano pode comprar“

“Doar é um instrumento de poder


SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Século XVIII - Modelo Escravagista; 3. Tempos Atuais – Modelo Neoliberal; 4. Considerações Finais; 5. Referências.

1. INTRODUÇÃO
O filme QUANTO VALE OU É POR QUILO? está dividido em várias histórias e tem uma narrativa entrecortada, no entanto faz uma costura entre os recortes temporais de duas épocas aparentemente distintas. É traçado um paralelo entre o modelo escravagista da época do Brasil império com o atual modelo neoliberal fazendo uma analogia entre o antigo comércio de escravos e a atual exploração da miséria pelo marketing social, com a repetição de alguns atores em situações também análogas.
As histórias principais são cortadas por pequenos relatos ambientados no período da escravidão. Algumas das cenas revelam as mazelas e contradições de um país em crise de valores. A realidade é retratada de forma fiel e crua, revelando como são tantas as disparidades.
O filme é chocante ao ponto de até nos causar agonia, assim como também  nos dá uma sensação de constrangimento de vivermos cotidianamente próximo a esses fatos existentes e tão reais.
O filme é transcendental pela forma que conscientiza  de quantas e quantas vezes  nossas mentes e consciências estão anestesiadas e ainda acreditam e vêem um mundo mágico recheado de slogans em prol da solidariedade e da responsabilidade social.
O filme é também atraente por desnudar de forma surpreende ao espectador as desigualdades, os direitos e o capitalismo atual e ao mesmo tempo causar efeito pelas provocações que faz a sociedade.
 O filme incomoda e desassossega pela acidez e agressividade demasiada impactantes. No entanto, é de fundamental importância para os que desejam seriamente refletir sobre:  a dinâmica político-socioeconômica, a forma como  os processos de globalização afetam o crime, a manutenção das corrupções impunes, as enormes diferenças sociais tão perturbadoras, a violência incessante e perversa do nosso país, além hipocrisia que trilha o caminho dessa sociedade brasileira ao longo da história.

2. SÉCULO XVIII:  MODELO ESCRAVAGISTA

Logo no começo vemos os maus tratos que os escravos negros recebiam no século XIX. Os “métodos correcionais” eram  aplicados para se garantir a honestidade e sobriedade, pois perdiam o vício de beber e consequentemente o instinto para roubar, ou como método preventivo contra as fugas dando para os reincidentes uma estimulação a humildade e a subserviência. Era como se fosse natural torturar os seres humanos, como se houvesse uma justificativa aceitável para aquilo.
As histórias são reais da vida cotidiana do Brasil extraídas de documentos do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, envolvendo os desmandos e abusos que marcavam as relações entre senhores e escravos, por volta de 1790, não mostrando nem glórias, nem heróis, mas personagens que não desapareceram: o “sobrevivente”, o “bem-feitor”, o “capataz”, e os cenários da escravidão explícita.
O comércio de escravos estava em expansão do varejo ao atacado, como podemos ver em vários episódios situados no século XVIII. Os capitães do mato, por exemplo,  caçavam negros para vendê-los aos senhores de terra com um único objetivo: o lucro.
Se tivéssemos a informação correta, moral e ética, diríamos que o escravismo foi um regime criminoso contra a humanidade, de leis e fatos, imorais, antiéticos, condenáveis em qualquer sociedade que fizesse bom juízo dos fatos.
Os documentos chocam porque na verdade não revelam situações fictícias, mas situações descritas em documentos oficiais, dissecando a gênese de uma identidade nacional.
Muitos roubaram e mataram, viveram na continuidade dos benefícios do roubo, outros descobriam os benefícios da Lei Penal do Vice Reinado que condenava tudo que perturbava a paz social.
Muitos outros descobriram que as  ações de generosidades também é uma forma de encontrar oportunidades de investimentos que geram bons lucros, como é visto nas cenas, pequenos negócios que se faziam com escravos que desejavam sua alforria pois pela solidariedade em nome da amizade e alguns lucros ajudava-se a obtenção da tão sonhada liberdade.

2.  TEMPOS ATUAIS:  MODELO NEOLIBERAL

Nesse modelo atual a economia é globalizada, marcado por um mundo contemporâneo muito complexo e em contínua expansão, onde o que vale são os lucros, sejam eles provenientes de atividades econômicas, sociais, políticos ou de fontes duvidosas.
Existia a noção de que o mercado seria capaz de equacionar sozinho o problema do desenvolvimento das nações democráticas e capitalista, o qual transformaria tudo em produto, inclusive os gestos humanitários como a solidariedade e a caridade. No entanto, os discursos de transformação e de combate à desigualdade em prol do “combate à pobreza” esta em declínio. O povo esta aprisionado a uma democracia lúdica, uma vez que o capitalismo selvagem faz com que o mercado exclua, elimine e descarte.
Assim como no modelo escravista a violência atual toma proporções cada vez maiores e as desigualdades sociais permanecem altas, não só nos indicadores socioeconômicos, como também na forma como o mercado de trabalho funciona.  
Embora as ONGs sejam o centro da história do filme, no entanto outras instituições  dessa tal democracia burguesa são abordadas e percebidas, como por exemplo:  o sistema carcerário brasileiro, os presídios superlotados, inclusive sendo comparados aos navios negreiros, mostrando também a sociedade constantemente recorrendo ao direito penal como forma de prevenção e proteção de determinados bens jurídicos.
No tempo do império os escravos eram propriedade, um objeto que custava para seu dono apenas a saúde e alimentação em troca do trabalho grátis,  e atualmente são “escravos sem donos” que dentro das penitenciarias não fazem nada, a não ser se especializar em novas práticas criminosas. Os detentos  sofrem porque não existe efetividade da lei das execuções penais nem na garantia dos direitos tampouco na inclusão social do apenado, no entanto o seu custo (na época do filme 700,00) hoje esta na média de 1.100 reais.
A criminalidade também exerce uma função social, a qual em expansão produz  emprego direito e indireto, funcionando como agente aquecedor da economia do município, do estado  e do país.
Além disso, influencia na Construção civil privada e na  própria construção de presídios, já que é um investimento rentável porque o preço a mão de obra dos pacatos presos do semi-aberto é mais barato para se contratar, além de estar participando da reinclusão social da massa carcerária.
Os pistoleiros ou  matadores de aluguéis são os capitães do mato neoliberais que fazem o serviço sujo,  no entanto, hoje atuam de uma forma evoluída não usam cordas, usam balas, não precisam mais trazer o escravinho  do sistema para entregar o seu senhor. Simplesmente deixa(m)  o(s) “eliminado(s)” ou o(s) “chacinado(s)”, os quais geralmente são jovens das favelas e de menor poder aquisitivo, atirado (s) no chão, jogado (s) no meio da rua.
O cenário é de guerra, é exigido articulação, estratégias, adequação aos perfil exigidos,  avaliações do custo e benefícios tanto dos “ongueiros”, como das associações,  mas também do bandido.
Contudo, nessa sociedade democrática e neoliberal as palavras    “livre iniciativa”, “captação de recurso”, “distribuição de renda”, “marketing”, “business”, “investimentos” também são usadas pelo submundo do crime, já que as opções são: continuar na miséria ou tentar ultrapassar a ponte sobre o abismo social. 
 Os excluídos socialmente  criam uma de visão de mundo, ao observarem o padrão de vida dos mais favorecidos, sejam nas revistas ou nos bairros dignos. Acreditam que “a liberdade de consumir é a única e a verdadeira funcionabilidade da democracia”.
Assim, como para jovem o Candinho do filme que está desempregado e com a mulher grávida, tem que se virar para sobreviver. Sem qualificação profissional diante de um mercado de trabalho tão exigente, onde até para dar comida a mendigo é necessário ser bilíngüe, a saída é encontrar uma  oportunidade de um trabalho "autônomo e rentável" para sustentar a família. O rapaz então se transforma em um "caçador de bandidos", serviço terceirizado onde não é necessário diplomas ou títulos ou qualificação, apenas coragem.
Desse modo o filme em uma comparação impactante e com demasiado cinismo  estabelecer semelhanças entre os seqüestros e os métodos de “captação de recursos” e “redistribuição de renda”  praticada pelas ONGs. Como é mostrado na fala do personagem do bandido bem-articulado;  e também no momento em que um dos ricos donos de uma ONG corrupta, que fora seqüestrado é  torturado. É alegado que o seqüestro é como uma forma de captação de recursos e também distribuição de renda, onde se usa o dinheiro do resgate também como um modo  de repartir o dinheiro com a comunidade.  Sendo como uma conseqüência, uma que a(s) ONG (s) não fazem  os investimentos e empreendimentos comunitários  que deveria fazer.  Ou seja, praticam crimes no uso de atitudes drásticas, já que  vêem  que “o desespero faz as coisas andarem mais rápidas”
Os “escravos sem dono” são os excluídos e marginalizados em nossa sociedade encurralados pelo Estado ausente e ajudados pelo assistencialismo corrupto, onde sofrem violências por todos os lados.
Nos dias atuais, as organizações não governamentais através das instituições filantrópicas sem fins lucrativos, as ONGs, com o nome oficial de Terceiro Setor, são compostos por empresas que surgem e se proliferam devido à total ausência do Estado  na área social em atividades assistenciais. As ONGs são vistas com bons olhos pela maioria das pessoas,  pois, teoricamente, se tratam de instituições que se propõe a assumir papéis que deveriam ser exercidos pelo Estado e foram deixados de lado. Segundo dados apresentados no filme, esse setor é composto por mais de 20 mil entidades que movimentam nada menos do que U$ 100 milhões por ano, que empregam milhões de funcionários e voluntários.
Na verdade, esse mercado é fonte de muitos lucros, pois além de ajudarem as pessoas,  movimentam a economia  e ainda acham que diminuindo as desigualdades sociais.
No filme é escancarado como funciona esse enorme ramo empresarial, que  vive de “faturar em cima da permanência da miséria” mostrando os bastidores das possíveis engrenagens da corrupção e falcatruas que existe nesse setor.
 Setor esse que através da uma ideologia que o voluntariado é a solução para todos os males da humanidade  constroem uma  “indústria da miséria” ( que usam o dinheiro público e tendo com produto “gente”) muito lucrativa  e extremamente útil à reprodução do poder político.
As pautas sociais são passam de verdadeiras feiras de negócios, disfarçadas em “festas solidárias” promovidas no intuito de homenagear os que se destacaram no setor e para promover as parcerias incentivando os empreendimentos comunitários convencendo que investir em causas sociais é bom para o próximo e para as empresas uma vez que essa “responsabilidade social”
Essas “festas sociais”  são momentos onde os “ongueiros” e seus parceiros discutem como continuar com fartos fundos dos quais possam ajudar a cuidar e também como se beneficiar das Parcerias Público/Privada, o inflacionamento do valor das propinas pagas aos órgãos públicos e a lucratividade do setor. Também  trocam informações com temas como: captação de recursos, comissões, livre iniciativa, distribuição de renda, marketing. Inclusive se aproveita para encontrar formas de se eliminar tudo que esteja ameaçando seus interesses. Enquanto os  “pobres” acotovelam-se na disputa das migalhas que caem da mesa ou tornam-se “capatazes” deles.
O filme realmente é sarcástico ao mostrar como muita gente faz obras de caridade,  o assistencialismo.   Alguns fazem como forma de diminuir suas culpas, outras, como as  damas da sociedade que tem consciência social e fazem para manterem entidades filantrópicas para lavagem de dinheiro e com resgate no imposto de renda. É uma forma tão sutil de promovem a tal  “dieta na consciência” e se tornam pessoas de espírito elevado, que chega a ser hilariante.
Na vontade de lucrar existe uma verdadeira disputa entras as  entre diferentes entidades, pelo combustível de um novo comércio de atacado, os miseráveis.  Como se vê no filme na  empresas, como a  patrocinadora de projetos como “Informática na Periferia”, “Sorriso de Criança” e “Projeto Alegria” protege espaços e aperfeiçoam as estratégias para conseguir aprovação de projetos e doações ou tele doações.
 Nas propagandas veiculadas na mídia já é ultrapassado mostrar crianças com a miséria estampada no rosto, a técnica para sensibilizar e chamar a atenção das empresas no social exige das empresas de propagandas um marketing evoluído vinculando a solidariedade ao êxito, a posturas positivas e otimistas. Garantindo aos que financiam a mercantilização da solidariedade e da compaixão o retorno, que é na realidade o que mais lhes  preocupam. Por outro lado as associações se especializam no trabalho burocrático e na produção de tipos projetos  adequado a exigência e a sensibilidade da  possível ONG patrocinadora, ou seja, se estuda o perfil da ONG, uma vez que cada uma tem um público alvo e, portanto uma demanda diferente.
Criam situações que  transformam  a população mais carente em meras  peças num jogo que envolve entidades desonestas, órgãos governamentais e empresas. Empresas essas que descobriram que é sempre possível lucrar com a miséria. Afinal empresas com responsabilidades sociais podem e se justifica cobrar mais pelo bem comum.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O nosso Brasil hoje tem muitas semelhanças com o Brasil do filme, o que  nos ajuda a compreender as bases constitutivas de nosso Brasil atual, como também nosso passado escravista ainda permanente, embora com novas roupagens e novas formas. Além disso, também compreender a permanecia tão persistente das  desigualdades econômicas, sociais e de direitos no país.  Vemos como o povo continua  vitimado pela total falta de perspectivas.
No roteiro do filme não existem desfechos com saídas para as situações, como se essas possibilidades assumissem uma ordem pré-determinada e imutável, em  que todos parecem cumprir um papel social certo. Percebe-se que o filme assume uma posição excessivamente pessimista porque a tendência é sempre a metamorfose e uma adequação a novas formas de exploração,  traduzindo que as mudanças são inalcançáveis e utópicas.
O filme termina sem soluções e sem propostas. Mas cumpriu o seu papel ao abordar fatos evidenciando as contradições humanas,  que deve serem vistas com um olhar crítico, o que também não deixa de um belo convite à reflexão,  para que cada possa contribuir para dar novos desfechos para a nossa História, pois a responsabilidade de uma sociedade  brasileira descente e igual, onde a pessoas tenha sua dignidade respeitada é de cada um nós que fazemos parte dela.
A sociedade precisa refletir sobre como pensa, age, e tudo mais que tenha a ver como social. Afinal o que é e qual  a finalidade da democracia? Será que o nosso  Brasil precisa dessa população ativamente caridosa  ou de políticas públicas eficientes ou de efetividade das leis? O Brasil precisa ser um país socialista para ser um país justo? A solução ou alternativa para os dilemas inerentes ao capitalismo são as ONGs? È preferível imaginar que o conflito ainda não está posto no cotidiano brasileiro??
Já que o filme pôs em  cheque o caráter altruísta dessas Organizações, devemos considerar que  é impossível negar que muitos são aqueles que realmente se utilizam das ONGs para obtenção de lucros, como também,  utilizam para viabilizar benefícios particulares,  corrupção,  lavagem de dinheiro sujo, fazer desvios de verbas públicas, acobertar negócios escusos, obter altos lucros. Por outro lado,    não se pode generalizar e achar que todas as ONGs são um poço de más intenções e hipocrisia. È inegável que dentre as milhares de organizações também existe gente e entidades honestas.
A vontade de lucrar em cima dos miseráveis continua até os dias de hoje, e vemos que cada um está preocupado apenas em se dar bem. Essas características não trazem  nenhuma transformação, apenas agrava ainda mais a difícil situação e a falta de perspectivas dos “personagens pobres”  que sequer pela eterna subserviência oferecem possibilidade de resistência e luta.
Outro ponto que é relevante considerar é a forma como foi abordado o seqüestro, que pode ser interpretado como uma forma de  beneficiar os menos favorecidos e ludibriados pelas instituições assistenciais. 
O assistencialismo assume novas formas e muito variáveis, como: cestas são substituídas por cartões magnéticos, computadores consubstanciam o fetiche da “inclusão” digital e social, assim vai emergindo  o “terceiro setor” pronto para gerenciar e intermediar a assistência estatal aos pobres. 
É notável a falência das instituições no país e a exploração da miséria pelo marketing social ( a solidariedade de fachada). A farsa  ou pura maquinação que se volta contra o povo porque são economicamente rentáveis e geradoras de emprego e a  manutenção desse exército de miseráveis ou a prisão é interessante no atual jogo "democrático" e de "participação" da sociedade civil em prol de demandas não atendidas pelo Estado. Conforme aparecem no filme, funcionando  como empresa e objetivando o lucro,  tendo como diferenciam o discurso típico incorporados,  onde a responsabilidade social ou solidariedade são exaltadas e mobilizadas como marketing dessa nova indústria,  que gerencia a miséria e os miseráveis.
O que é exposto no filme  esta corroborado pela criação de uma CPI para investigar as ONGs, a qual  teve sua criação impulsionada pelo caso da ONG: Sociedade dos Amigos de Plutão,  denunciada por um jornalista, onde tal denúncia dizia que  a entidade recebia verba do governo e o  presidente da ONG era petista e amigo íntimo do presidente Lula. Além disso, a credibilidade de muitas delas está sendo debatido, em virtude da grande explosão de novas ONGs, que foi em torno 1180% desde 2002 e da maioria sobreviver com repasses de verbas da União, o que soma de 2001 a 2006 um valor estimados em 14 bilhões.
Por fim, o dinheiro que o Governo investe nas ONGs que trabalham com filantropia seria suficiente para ajudar milhares de famílias necessitadas. Os dados que são apresentados no filme são alarmantes, pois é relatada uma estimativa de que existam cerca de 14 a 22 mil entidades assistenciais, ONGs, que prestam assistência a menores carentes, com uma movimentação calculada em 100 milhões de dólares por ano. Cada criança carente corresponde nesse novo mercado a cada cinco novos empregos. Segundo os cálculos mostrados, se  10 mil crianças abandonadas fossem atendidas diretamente,  seria 10 mil dólares por ano  para cada uma. O que daria para  comprar  com esse mesmo  dinheiro um apartamento básico para cada criança,  a cada 2 anos e pagar escola particular até a faculdade.


 4. REFERÊNCIAS

FILME: QUANTO VALE OU É POR QUILO? – Drama – Ano de Lançamento: 2005 – Brasil - Estúdio: Agravo Produções Cinematográficas S/C Ltda, Distribuição: Riofilme, Direção: Sérgio Bianchi; Roteiro: Sérgio Bianchi, Eduardo Benaim e Newton Canitto, baseado no conto "Pai Contra Mãe", de Machado de Assis; Produção: Patrick Leblanc e Luís Alberto Pereira; Edição: Paulo Sacramento. Elenco: Ana Carbatti, Cláudia Mello, Herson Capri, Caco Ciocler, Ana Lúcia Torre, Sílvio Guindane, Myriam Pires, Lena Roque; Lázaro Ramos, Leona Cavalli, Umberto Magnani, Joana Fomm, Marcélia Cartaxo, Odelair Rodrigues, Ariclê Peres, Zezé Motta, Antônio Abujamra, Ênio Gonçalves, Calara Carvalho, Noemi Marinho, Caio Blat, José Rubens Chachá, Mílton Gonçalves (locução), Valéria Grillo (locução), Jorge Helal (locução).
http://www.quantovaleoueporquilo.com.br/  Acesso em: 14 agosto 2009
http://www.scoretrack.net/quantovale.html  Acesso em: 14 agosto 2009



INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA DE PRISÃO



NORMATIVIDADE VERSUS EFETIVIDADE
Inconstitucionalidade da pena de prisão
 
Maria da Glória Sá Lima - Acadêmico do Curso de Pós Graduação em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri – URCA.


Resumo: O presente artigo aborda o tema NORMATIVIDADE versus EFETIVIDADE num contexto que envolve as  problemáticas vividas pelos presos da Penitenciária da Comarca de Iguatu/CE. Busca-se estabelecer uma reflexão sobre o tema e também  investigar,  problematizar, desmitificar o que realmente acontece  nos  ”bastidores”  do processo executório da  sentença penal condenatória. Trata-se de um estudo de caso através da analise das reportagens veiculada na mídia regional e estadual, a  luz da Lei das Execuções Penais e da Constituição Federal de 1988. Na análise se  vislumbrar o que realmente acontece  no caso concreto, como se executa ou deixa de executa, no dia a dia, a Constituição, e sobretudo se confirma a existência de  um  descompasso entre o Direito Penal Positivo e a Constituição Federal de 1988.

SUMÁRIO:  1) - Introdução - 2) Direitos dos presos - 3) Pena/Sistema Prisional/ Os Estabelecimentos Penais  - 4) Considerações Finais – 5) Referências

"As prisões, salvo raras exceções, apresentam as melhores condições para infestar o corpo e a alma. As prisões, com suas condições inadequadas e ambiente de ociosidade, despojam os réus de sua honra e de hábitos laboriosos, os quais saem dali para serem impelidos outra vez ao delito pelo aguilhão da miséria, submetidos ao despotismo subalterno de alguns homens geralmente depravados pelo espetáculo do delito e o uso da tirania" JEREMIAS BENTHAM (1748 - 1832).

1.    Introdução

A  justiça muitas vezes é vista muito mais pela ótica da falta do que pela sua concretude. Partindo desse pressuposto o presente trabalho busca fazer um estudo de caso   sobre alguns pontos das reportagens veiculadas nos meses de maio e junho/2009 no Diário do Nordeste, no jornal A Praça e no pagina da Urca que tinha como manchete: “ESTUDANTES AJUDAM DETENTOS: Estudantes do curso de Direito da Urca, em Iguatu, analisam processos dos detentos do presídio local”. Onde num primeiro momento relata sobre a visita dos alunos coordenada pelo professor de estágio processual penal com objetivo de realizar um trabalho pioneiro através das práticas jurídicas permitir um serviço de cidadania e assegurar direitos humanos dos detentos, de acordo com a lei.

Alunos do 9º semestre do curso de Direito do campus da Universidade Regional do Cariri (Urca), neste município da região Centro-Sul do Estado do Ceará, realizam um serviço pioneiro. Desde a semana passada, divididos em equipe, os estudantes analisam processos dos detentos do presídio local, com o objetivo de verificar se há presos que já cumpriram pena total ou parcial, mas que continuam na cadeia ou que já podem mudar para o regime semi-aberto. Além da prática de estágio processual penal, a prática dos estudantes permite um serviço de cidadania e assegura direitos humanos dos detentos, de acordo com a lei. A atividade é coordenada pelo professor Marcelo Bezerra, da cadeira de estágio de Processo Penal. Os alunos visitam as instalações do presídio e atendem individualmente aos detentos.
Inicialmente, estão sendo analisados dois casos de detentos que reclamam revisão de suas penas. “Começamos a levantar informações sobre esses dois processos e depois vamos analisar os demais”, explicou Bezerra. A prioridade é dada para os detentos que reclamam excesso de cumprimento de pena ou direito à mudança de regime fechado para semi-aberto e aberto. Em um dos casos analisados, o detento autor de homicídio é reincidente por quebra de regime. Foi condenado a 12 anos e dois meses, e já cumpriu oito anos. Outro, já cumpriu 11 anos de um total de 12.O professor Marcelo Bezerra destacou a importância do programa de estágio para os alunos, que têm maior possibilidade de aprendizagem prática, e para os presidiários, que têm seus direitos assegurados.A ação dos alunos do curso de Direito da Urca também contribui para acalmar o clima de tensão enfrentado pelo presídio de Iguatu em face da superlotação e da precariedade de infra-estrutura”.

E num segundo momento foi mencionado uma reportagem anteriormente publicada na mídia regional sobre a visita de uma formada pelo juiz da 1ª Vara de Execuções Penais, Wotton Ricardo Pinheiro, o promotor do Ministério Público, Antônio Monteiro Maia Júnior, o presidente da  OAB/Iguatu, Romualdo Lima, e a procuradora Bernadete Bitú, presidente do Conselho Comunitário e as condições atuais do presídios e dos detentos:

“Uma visita de rotina realizada no presídio de Iguatu na tarde desta quarta, 29 constatou o que todos já sabiam. Aquele é um 'barril de pólvora' prestes a explodir. A visita foi realizada por uma comissão formada pelo juiz da 1ª Vara de Execuções Penais, Wotton Ricardo Pinheiro, o promotor do Ministério Público, Antônio Monteiro Maia Júnior, o presidente da  OAB/Iguatu, Romualdo Lima, e a procuradora Bernadete Bitú, presidente do Conselho Comunitário. Wotton Ricardo Pinheiro informou que existe uma determinação do Conselho Nacional de Justiça que o poder judiciário faça inspeções mensais nos presídios e outras casas de detenção para produzir relatórios sobre a situação carcerária, a infraestrutura dos locais e a assistência prestada aos detentos. A Comissão esteve nos três pavilhões onde os presos estão alojados. Atualmente são 117 detentos; 106 em regime fechado, 7 no semiaberto e 5 no regime aberto. Os presos estão amontoados em pequenos cubículos de aproximadamente cinco metros quadrados. Todas as celas estão com lotação acima da capacidade. O que seria para acomodar 5 pessoas está com até 12 detentos. Os presos reclamam da superlotação e outros problemas como falta de higiene, ausência de atendimento médico e situações de constrangimento a que eles são submetidos. Um detento denunciou que os presos são obrigados a ficarem nus no pátio para as entradas dos agentes penitenciários nas celas em 'vistorias de rotina'. Outro gritou dizendo que 'é pior presídio da América Latina', diante das condições subumanas em que eles estão vivendo. Outra reclamação dos presidiários diz respeito aos intervalos de banho de sol. Segundo o detento de nome Natanael Kennedy os banhos de sol têm espaços muito longos de um para outro. De acordo com os detentos, um dos momentos mais constrangedores é em dia de ‘visita íntima’. Não há espaço reservado para os homens receberem as companheiras. Geralmente eles trocam intimidade e fazem sexo dentro da própria cela com todos os outros detentos dentro. Um homem que está detido por porte ilegal de arma contou que nessas horas os presos colocam ‘pedaços de panos’ para improvisar um espaço para a intimidade do casal. A presidente do Conselho Comunitário, Bernadete Bitú disse que as mulheres estão no pior local do presídio por ser uma área que fica durante muito tempo exposta ao sol. Bernadete, que acompanha a rotina do presídio há quase uma década disse que o local já deveria ter sido interditado já que os problemas de infraestrutura e segurança são muito agravantes.O juiz Wotton Ricardo Pinheiro voltou a chamar a atenção da secretaria de Justiça do Estado para os problemas, que segundo o magistrado já eram graves há dez anos. Wotton rememorou as advertências feitas por ele há quase uma década quando o mesmo chegou a Iguatu e se deparou com as adversidades do presídio. Naquela época, lembrou o juiz, o tema teve ampla repercussão na imprensa do Estado quando ele denunciou os problemas. Wotton Ricardo lembrou que hoje o presídio está superlotado, mas advertiu para o fato que existem muitos mandados de prisão em aberto, e se todos forem cumpridos todos de uma vez a situação tende a se agravar ainda mais. Na opinião do promotor Antônio Monteiro, os problemas com o presídio de Iguatu afetam, não somente que está cumprindo pena, mas também que trabalha no local, no caso os policiais, agentes prisionais e administração, como também os moradores do bairro onde a unidade está localizada. Segundo Maia, o quadro da cadeia pública de Iguatu é um reflexo do que acontece hoje em todos os estados brasileiros. O representante do Ministério Público relatou que a estrutura física do presídio está totalmente imprópria e que algo precisa ser feito com urgência. "Isso aqui é feio, é sujo, é úmido, uma realidade que a gente encontra e que é lamentável, e é generalizada, infelizmente". De acordo com Romualdo Lima, presidente da seccional da OAB de Iguatu a cadeia pública já deveria ter sido interditada. "A situação aqui é precária, agride a condição humana e a própria lei de execução penal, por conta das condições que esse local apresenta". Romualdo lembrou que em maio de 2007 participou de uma visita no prédio acompanhado do secretário de Justiça do Estado, Marcos Caos, para viabilização de reforma ou a construção de uma nova unidade. O procurador lamentou que nada de concreto tenha acontecido até hoje. O presidente da OAB disse que atualmente uma reforma no presídio de Iguatu pode não ser mais viável. “As condições que esse prédio se encontra, acho que não merece uma recuperação, esse local já devia ter sido interditado e construída uma nova unidade em outro lugar”. Romualdo Lima afirmou que o presídio de Iguatu não oferece nenhuma condição humana de sobrevivência. Ele chamou a atenção para os problemas enfrentados por quem mora perto, que está detido lá dentro cumprindo pena e quem trabalha, no caso dos policiais, que também enfrentam problemas com a sobrecarga de serviço. O presidente da OAB cobrou providências imediatas do governo do Estado, no sentido de reverter a situação. Segundo ele, no momento a OAB analisa se vai entrar com ação civil pública para interditar o local devido as precárias condições de funcionamento.”

Diante desta problemática, tão perceptível nos textos transcritos, o artigo tem duplo objetivo: contribuir para a reflexão sobre responsabilidade social no sistema prisional,  e a inconstitucionalidade da pena de prisão uma fez não existe efetividade das normas constitucionais.
.Desse modo, o trabalho inicialmente se situa numa perspectiva que procurará fazer um contraponto entre o direito que é reclamado pelos presos  com os direitos que lhes são assegurando e encontram  sustentáculo nas normas, ou seja estão positivados na  Constituição Brasileira e nos tratados internacionais, bem como na legislação infraconstitucional. Posteriormente, é abordado superficialmente a Pena/Sistema Prisional/Os Estabelecimentos Penais para que também se faça uma antítese com a realidade local, que não deixa de ser a realidade carcerária brasileira como um todo. Em seguida é apresentada as considerações finais para que se faça uma discussão do resultado apresentado.  
Importante salientar, que as reportagens estão transcritas propositalmente  na íntegra, como precaução, já que uma a maioria da sociedade somos afetados pela cegueira que nos impede de ver a dignidade humana sendo sacrificada, não apenas da população penitencia, mas também da população ordeira que também é vítima.    


2. Dos Direitos dos Presos

Conforme reportagens, podemos pontuar os seguintes problemas vividos pela população carcerária na cidade de Iguatu, os quais são:  excesso de cumprimento de pena ou direito à mudança de regime fechado para semi-aberto e aberto, superlotação e da precariedade de infra-estrutura (os presos estão amontoados em pequenos cubículos de aproximadamente 5m2, estando todas acima da capacidade de lotação, falta de higiene, ausência de atendimento médico, os banhos de sol têm espaços muito longos de um para outro,  e situações de constrangimento a que eles são submetidos como: serem obrigados a ficarem nus no pátio para as entradas dos agentes penitenciários nas celas em 'vistorias de rotina',  na ‘visita íntima’ não há espaço reservado para os homens receberem as companheiras, geralmente eles trocam intimidade e fazem sexo dentro da própria cela com todos os outros detentos dentro, improvisão um espaço para a intimidade do casal colocando  ‘pedaços de panos’; as mulheres estão no pior local do presídio por ser uma área que fica durante muito tempo exposta ao sol.
Antes de discorremos sobre os dispositivos que asseguram os direitos e garantias daquele que é preso,  vale ressaltar, que por um lado cumpre ao condenado, além das obrigações legais inerentes ao seu estado, também submeter-se às normas de execução da pena (art.38 da LEP), além da disciplina, que consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes no desempenho do trabalho (arts. 44ss da LEP), prevê a lei um conjunto de regras inerentes à boa convivência,  em especificações exaustiva que “atende ao interesse do condenado, cuja conduta passa a ser regulada mediante regras disciplinares claramente previstas” (item 64 da exposição de motivos da LEP).
No entanto, por outro lado, “a prisão não deve impor restrições que não sejam inerentes à própria natureza da pena privativa de liberdade”. (MIRABETE, 2003, p. 259). A partir dessa visão,  buscaremos realizar uma incursão no nosso ordenamento jurídico. A principio mencionamos que em  nível de legislação supra nacional, pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica da qual o Brasil é signatário, onde está consignado que: Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. (art. 5º, item 2º). O princípio da dignidade da pessoa humana assegura e determina os contornos de todos os demais direitos fundamentais. Quer significar que a dignidade deve ser preservada e permanecer inalterada em qualquer situação em que a pessoa se encontre. A prisão deve dar-se em condições que assegurem o respeito à dignidade.
E na legislação infraconstitucional, o Código Penal, tratando das penas, é enfático ao dispor que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral. (art. 38), quais sejam: Inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos da Constituição Federal (art. 5º, caput, da CF); b. de igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações, nos termos da Constituição (art. 5º, I, da CF); de sujeição ao princípio da legalidade (art. 5º, II, da CF); de integridade física e moral, não podendo ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III e XLIX, da CF; Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997); liberdade de manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (art. 5º, IV, da CF; Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, alterada pela Lei nº 7.300, de 27 de março de 1985); direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem (art. 5º, V, da CF; Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, alterada pela Lei nº 7.300, de 27 de março de 1985); Liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos (art. 5º, VI, da CF); De não ser privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política (art. 5º, VIII, da CF); Expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX, da CF); inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X, da CF); inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer (art. 5º, XII, da CF);  plenitude da liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar (art. 5º, XVII, da CF); o direito de propriedade (material ou imaterial), ainda que privado, temporariamente, do exercício de alguns dos direitos a ela inerentes (art. 5º, XXII, da CF); o direito de herança (art. 5º, XXX, da CF);. o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder, e obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situação de interesse pessoal (art. 5º XXXIV, alíneas 'a' e 'b', da CF); direito à individualização da pena (art. 5º XLVI, da CF);  ao cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (art. 5º, XLVIII, da CF); relacionados ao processo penal em sentido amplo (art. 5º, LIII a LVIII, entre outros, todos da CF); direito de impetrar habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção e habeas data (art. 5º, LXVIII, LXIX, LXXI e LXXII, da CF), com gratuidade (art. 5º, LXXVII, da CF);  à assistência jurídica integral gratuita, desde que comprove insuficiência de recursos (art. 5º LXXIV, da CF); indenização por erro judiciário, ou se ficar preso além do tempo fixado na sentença (art. 5º, LXXV, da CF).
Na Lei de Execução Penal (LEP) nos os artigos 41, 42 e 43 que descrevem, os direitos dos presos. Inicia-se com a garantia de que “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios” (art. 40 da LEP). Segue o art. 41 da LEP estabelecendo desde direitos elementares que devem ser assegurados aos que estão sob a responsabilidade do Estado:  alimentação suficiente e vestuário;  atribuição de trabalho e sua remuneração;  Previdência Social; constituição de pecúlio;  proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;  exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;  assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;  entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;  audiência especial com o diretor do estabelecimento;  representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;  contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes;  atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 13.8.2003). Entretanto, no parágrafo único deste artigo estão previstos expressamente, que os incisos V, X e XV em algumas ocasiões  podem sofrer limitação (suspensão ou restrição) dentro do presídio, mediante ato motivado do diretor do estabelecimento. Por ultimo, é garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento (Art. 43).
Devem ainda ser destacados o direito do maior de sessenta anos e da mulher de ficarem em prisões adequadas a sua condição pessoal; das mulheres de ficarem presas em estabelecimentos que contem com berçário para que possam amamentar seus filhos; de todos os condenados de cumprirem pena em cela individual, com área mínima de seis metros quadrados e que contenha dormitório, aparelho sanitário e lavatório, com condições de salubridade adequadas á existência humana..
Importante ressaltar, mais uma vez, com o art. 3º da LEP, que ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei e não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.
Os presos muitas vezes são vítimas de excessos e discriminações quando submetidos ao regime penitenciário e, assim, os ditos “direitos humanos” acabam por ser violados. Mirabete proclama que: “Por estar privado de liberdade, o preso encontra-se em uma situação especial que condiciona uma limitação dos direitos previstos na constituição Federal e nas leis, mas isso não quer dizer que perde, além da liberdade, sua condição de pessoa humana e a titularidade dos direitos não atingidos pela condenação. (MIRABETE, 1996, p. 114)
É relevante mencionar as lições extraída da leitura do Manual de Direito Penal brasileiro dos professores Zaffaroni e Pierangeli, que nos ensina que:

“Se tivermos em consideração que, hoje, é perfeitamente sabido que um prolongado recolhimento de uma pessoa numa prisão torna-se irreversivelmente deteriorante, entendemos que não só a pena perpétua, como também todas as penas privativas de liberdade demasiadamente prolongadas, são sansões arruinadora. [...] Não se trata de execução penal que tenha objetivos ressocializadores, nem de melhoria, mas de deterioração irreversível e neutralizadora.  A nós parece que uma pena que traga como resultado a deterioração da pessoa como meio de neutralizá-la é similar a uma pena mutilante, só que executada com bastante paciência, deixando passar o tempo e o período da prisão.”

Não há dúvidas que permitir os excessos de cumprimento de pena nas condições institucionais que conhecemos é deixar de realizar a democracia, é deixar de levar a sério os direitos fundamentais, é tolher os direitos básicos do ser humano, é excluir “esses ninguéns’ da vida. 
Fica o questionamento para se responder a indagação: Qual a possibilidade de reintegrá-lo condenado na sociedade sem  abrandar os efeitos devastadores do cárcere?? 

3. Pena/Sistema Prisional/Os Estabelecimentos Penais


Desde a origem até hoje, porém, a pena sempre teve o caráter predominantemente de retribuição, de castigo, impõe ao violador da norma jurídica um mal, que  compreende a privação de um bem jurídico. Acrescentando-se a ela uma finalidade de prevenção e ressocialização do criminoso. Preventiva, pois visa evitar a prática de crimes, seja intimidando a todos ou privando de um bem jurídico o autor do crime, visa obstar que ele volte a delinqüir. A prevenção geral é com relação a todos, a especial com relação ao condenado, pois objetiva a readaptação e a segregação social do criminoso como meios de impedi-lo de voltar a delinqüir.  Ressocializadora porque objetiva a readaptação social. Busca recuperar, reeducar ou educar o condenado.
A pena é a conseqüência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal. Quando o agente comete um fato típico, ilíticio e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seu ius puniendi. Contudo, em um Estado Constituicional de Direito, para usarmos a expressão de Luigi Ferrajoli, embora o Estado tenha o dever/poder de aplicar a sanção áquele que, violando o ordenamento jurídico penal, praticou determinada infração a pena a ser aplicada deverá observar os princípios expressos, ou mesmo implícitos, presvistos em nossa Constituição Federal. (Rogerio Greco)
As penas privativas de liberdade nem sempre representam a melhor solução, mesmo porque não há, sequer, espaço físico para execução dessas sanções. O Legislador foi sensível a esse fato e estabeleceu penas restritivas de direito que  As penas restritivas de direito foram criadas como tentativa de encontrar fórmulas que pudessem substituir as penas de prisão, atento ao fato de que no país, não há condições de alojar todos condenados, além de tentar impor sansão proporcional ao crime cometido.
A liberdade do homem era privada como uma forma de correção, a até mesmo uma forma de prevenção de novos delitos, objetivava-se que o regresso à liberdade não trouxesse seqüelas desfavoráveis à sociedade e ao próprio recluso.
Os  Estabelecimentos Penais são todos aqueles utilizados pela Justiça com a finalidade de alojar pessoas presas, quer provisórios quer condenados, ou ainda aqueles que estejam submetidos à medida de segurança, os quais, vão aqui serem elencandos de acordo com o três tipos de três tipos de regimes para o cumprimento das penas privativas de liberdade: a. fechado: a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; b. semi-aberto: a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; c. aberto: a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
Cada regime de cumprimento da pena apresenta suas regras, previstas no Código Penal e na Lei de Execuçãões Penais. Visa a gradual inserção do condenado na sociedade, buscando incentivar sua ressocialização e sua recuperação, para que não cometa novos crimes.
Os órgãos da execução penal, os quais foram estabelecidos sem um rigor hierárquico, estão  lencados no artigo 61 da LEP:  são  o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; o Juízo da Execução;  o Ministério Público;  o Conselho Penitenciário;  os Departamentos Penitenciários; . o Patronato;  o Conselho da Comunidade.
Os objetivos da execução penal, ou seja, a efetivação das disposições da sentença ou decisão criminal e oferecimento de condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, são alcançados através de uma atividade complexa (jurisdicional e administrativa), exercida pelo Poder Judiciário, pelo Poder Executivo, pelo Ministério Público e pela comunidade. Ada Pellegrini Grinover ensina que: “Na verdade, não se nega que a execução penal é atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estaduais: o Judiciário e o Executivo, por intermédio, respectivamente, dos órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos penais”
Ora, como todos atuam com vistas ao mesmo fim, conclui-se que a atuação de cada órgão da execução penal deve ocorrer em harmonia com os demais, de forma a constituir uma unidade, tendo em vista também a complexidade dessa atividade.
Dada a complexidade desta atividade e a necessária atuação conjunta e harmônica dos mencionados órgãos. outros órgãos, como a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. No entanto, a execução da pena no sistema brasileiro se dá de modo jurisdicionalizado, o que implica dizer que cabe ao juiz das execuções, sobrepondo-se à administração prisional, presidir e fiscalizar o cumprimento da pena. equivale dizer que toda a sua dinâmica insere-se na ordem jurídica processual, subordinando-se a procedimentos legais determinados. As decisões, por serem judiciais e não administrativas, sujeitam-se a princípios como o acesso à justiça, o duplo grau de jurisdição, isonomia entre as partes e a necessidade de fundamentação, além do contraditório e ampla defesa. O art. 66 da LEP afirma que são competências do juiz de execução: “zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança; inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade; interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei”. E de acordo com o art. 68, o órgão do Ministério Público deve visitar mensalmente os estabelecimentos penais, registrando a sua presença em livro próprio. E, ainda, compete ao Conselho Penitenciário: “inspecionar os estabelecimentos e serviços penais” (art. 70).

5.          
      5. Considerações finais

O que se destaca é a confirmação do que Ana Claudia Bastos em seus estudos” em que pese a feição garantista da Constituição de 1988,preocupada com o estabelecimento de limites para o poder punitivo do Estado, o Direito Penal positivo mostra-se paradoxalmente distante e alheio daqueles valores fundantes.” Se verifica que semalhança  como o que Ferrajoli  destacou no Direito Penal Italiano, a falta de eficácias das garantias, o profundo distanciamento entre a normatividade e a efetividade, apesar da incorporação de direitos fundamentais no texto da Constituição, com nítida inclinação humanista e democrática (normatividade), as práticas legislativas, jurisdicional e  policial retratam uma outra realidade bem distinta (efetividade), sensivelmente afastada dos princípios constitucionais. (Ana Claudia Bastos)

Atualmente a falência do sistema penitenciário é notória  e o nosso sistema penitenciário brasileiro está muito distante do que propõe o código, necessário se faz  interpretar todo o sistema, de acordo com as luzes da Constituição Federal, para dar efetividade a institutos que visem abrandar os efeitos da prisão e, muito antes, declará-la por vez inconstitucional!
Não há dúvida, quanto da inconstitucionalidade da pena de prisão visto que a mesma não pode ir contra princípios maiores como o da dignidade da pessoa humana. Tampouco  contra o direitos fundamentais, 'ninguém será [ou deveria ser] submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante'). Aliás, assinala também  que 'a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado' e assegura aos presos 'o respeito à integridade física e moral"

O ilustre professor ROBERTO LYRA escreveu que "Não se defende a sociedade, sacrificando a dignidade humana e oficializando a mentira anárquica de uma execução que não executa ou, pior, executa contra a lei e a sentença. Ao invés de tudo para alguns e nada para o resto, procuremos garantir o legal e humano para todos. Não se defende a sociedade com sistemas que, em regra, só interrompem o abandono para o castigo".

Por fim é inegável que observância dos aximas  Garantista, quais sejam eles: 1) princípio da retributividade ou da conseqüencialidade da pena em relação ao delito;2) princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3) princípio da necessidade ou da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do evento; 5) princípio da materialidade ou da exterioridade da ação; 6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) princípio da juridicionariedade, também no sentido lato ou no sentido estrito; 8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) princípio do ônus da prova ou da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade  tem o escopo de fortalecer e embasar os direitos e garantias fundamentais, não apenas como normas, mas como instrumentos efetivos e de combate para assegurar o respeito aos direitos humanos. Do contrário redunda redunda em uma espécie de “efeito dominó” em toda a estrutura processual, ou seja, do exercício do ius punendi pelo Estado.



5.  Referências