A FILOSOFIA KANTIANA
O Criticismo Kantiano - As possibilidades e os limites da razão
O Criticismo Kantiano - As possibilidades e os limites da razão
Maria da Glória Sá Lima
Não podemos negar que o século XVIII, o Século das Luzes, é um dos momentos mais importantes de nossa história pois até hoje nos guiamos seguindo cotidianamente os conceitos de cada um dos autores que escreveram ou desenvolveram doutrinas naqueles anos, os quais influenciados pela corrente de pensamento Iluminista, também chamada de Ilustração, dominante naquele contexto histórico, onde a principal característica era creditar à razão a capacidade de explicar racionalmente os fenômenos naturais e sociais e a própria crença religiosa.
Entre eles encontramos o alemão Immanuel Kant (1724 - 1804), sem dúvidas um dos filósofos mais importante de todos os tempo, o autor fundamental não do século das luzes, mas sim da posterioridade e sobretudo, de nosso dia a dia. Todos, sem saber ou sem nos darmos conta aplicamos seu pensamento lhe cedendo uma vigência muito importante.
Suas contruibuições nos temas relacionados ao problema do conhecimento influenciaram notavelmente na filosofia, já que sua síntese especulativa denominada "criticismo" devido sua proposta de realizar uma “crítica da razão”, derivou o idealismo moderno e, em geral, o pensamento contemporâneo.
Este criticismo desenvolvido por Kant tinha como intenção resolver os antagonismos que surgiu de dois pensadores anteriores, Descarte e Hume. Descarte por um lado defendia o Dogmatismo racionalista (dogmatismo aqui é uma espécie de fundamentalismo intelectual, diferente do usado na religião) que procurava obter resultados, verdades certas, indubitáveis em uma experimentação apoiando-se unicamente nos princípios inatos da razão e sobretudo das idéias, sem ser sujeitas a qualquer tipo de revisão crítica. Isso quer dizer que essa posição filosófica defendia que as verdades absolutas existem rechaçando de plano o conhecimento obtido de próprias experiências, já que confiavam cegamente na razão, desse modo insistindo demasiado nos princípios metafísicos acabando por não prestar atenção aos fatos ou argumentos que pudessem pôr em duvida esses princípios. Assim, acreditanto que as experiências as únicas (ou principais) formadoras das idéias, discordando, portanto, da noção de idéias inatas.
Mas por outro lado, o ceticismo ou empirismo radical do Hume procurava apoiar-se unicamente nas experiências mas este dogma tinha impossibilitado de se chegar a resultados universais e verídicos passando a ser meras hipóteses e probabilidades. Kant estudaria estas duas escolas filosóficas e tentaria chegar a uma forma que as conjugassem em uma só teoria, limando as asperezas entre ambas. Dessa forma nasce o criticismo kantiano que quer limitar a capacidade do conhecimento, não quanto à sua extensão, mas quanto à sua justificação em si, levando o exame da razão por ela mesma confrontando o pensamento e às práticas.
Kant reconheceu as contribuições e criticou as posições tanto de Descartes como de Hume. Estava de acordo com Hume de que não existem idéias inatas e de que não existe na nossa razão conteúdos que sejam "a priori". Mas discorda da afirmação dos empiristas de que a mente seria, originalmente, um "quadro em branco", sobre o qual é gravado o conhecimento, cuja base é a sensação. Ou seja, de que todas as pessoas, ao nascer, o fazem sem saber de absolutamente nada, sem impressão nenhuma, sem conhecimento algum, e que todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido pela experiência, pela tentativa e erro.
Até então, havia-se tentado explicar o conhecimento supondo que o sujeito deveria girar em torno do objeto. Kant, então, inverteu os papéis, supondo que o objeto é que deveria girar em torno do sujeito. Copérnico havia feito uma revolução análoga: como, mantendo a Terra firme no centro do universo e fazendo os planetas girarem em torno dela e o seus sistema num paralelo copernicano, revela os limites e a real posição da mente em relação aos objetos do seu conhecimento. Demonstrando que vários fenômenos do pensamento precisam ser explicados, porem não atribui, como alguns, a causas independentes externas, e sim, a leis essenciais que regem os movimentos inerentes do pensamento.
Kant considera que não é o sujeito que, conhecendo, descobre as leis do objeto, mas sim, ao contrário, que é o objeto, que é conhecido, que se adapta às leis do sujeito que tem a faculdade de conhecer. "Até agora, admitia-se que todo nosso conhecimento se devia regular pelos objetos, mas todas as tentativas de estabelecer em torno deles alguma coisa a priori, por meio de conceitos, com os quais se teria podido ampliar o nosso conhecimento, assumindo tal pressuposto, não conseguiram nada. Portanto, finalmente, faça-se a prova de ver se não seríamos mais afortunados nos problemas da metafísica formulando a hipótese de que os objetos devem se regular pelo nosso conhecimento, o que se coaduna melhor com a desejada possibilidade de um conhecimento a priori, que estabeleça alguma coisa em relação aos objetos antes que eles nos sejam dados. Aqui, é exatamente como na primeira idéia de Copérnico, que, vendo que não podia explicar os movimentos celestes admitindo que todo o exército de astros girasse em torno do espectador, tentou ver se não teria melhor êxito fazendo girar o observador e deixando os astros em repouso. Ora, na metafísica, pode-se pensar em fazer uma tentativa semelhante (...)”. Com a sua "revolução", portanto, Kant supôs que não é a nossa intuição sensível que se regula pela natureza dos objetos, mas que são os objetos que se regulam pela natureza de nossa faculdade intuitiva. Comparativamente, Kant supõe que não é o intelecto que deve se regular pelos objetos para extrair os conceitos, mas, ao contrário, que são os objetos, enquanto são pensados, que se regulam pelos conceitos do intelecto e se coadunam com eles.
Para Kant, "O conhecimento começa com a experiência mas não se origina nela”. Distinção esta, entre o “começo” e a “origem”, importante para compreender sua crítica, sua filosofia, a qual não consiste em desprezar a razão com faculdade do conhecimento, mas avaliar pormenorizadamente suas possibilidades e limites, visto que a razão não posse idéias inatas, mas possui estruturas a priori nas quais as impressões se organizam. Isso significa que a explicação genética do conhecimento ao modo de Hume, não lhe é totalmente satisfatória: resolver a questão da origem não é resolver o problema da validade; pois a experiência não pode por si só outorgar necessidades e universalidade às proposições de que se compõe a ciência e, em geral, a todo o saber que aspire a ser rigoroso. E necessário perguntar, portanto, como a experiência é possível, isto é, encontrar o fundamento da possibilidade de toda experiência.
No seu trabalho “A Crítica da Razão Pura” tem precisamente como objeto examinar essas condições da possibilidade da experiência, que são idênticas às condições da possibilidade dos objetos da experiência.Com vistas a isso, Kant se apóia na diferenciação de duas afirmações ou julgamentos, o analítico e o sintético. Assinala que o juizo analítico é aquele que pode realizar-se de maneira universal que não tem nenhuma relação com a experiência. Quer dizer que pode realizar uma análise por pura razão inata e com um mínimo de conhecimento, apoiando-se no que seria algo, digamos, “óbvio“. Por outro lado, temos os julgamentos sintéticos que são os que terminam aumentando o conhecimento de uma pessoa, mas para isso é inevitável que deveremos partir da própria experiência sobre um fato particular. Isto quer dizer que este julgamento é a posteriori da experimentação e não a priori como seria o julgamento analítico.
O problema da ciência que compõe-se fundamentalmente de proposições ou de juízos universais e necessários e, ainda por cima, incrementa continuamente o conhecer. Mas, que tipos de juízos são aqueles de que se vale o conhecimento? Daqui derivam as formas a priori, que são as propriedades do intelecto que permitem conhecer, e compreender.
A definição mais clara sobre isto seria: “conhecido-o é o resultado da aplicação das faculdades do intelecto ao objeto do conhecimento“. Quer dizer que tudo o que se conhece provém em parte do objeto conhecido, mas ao mesmo tempo se alimenta da estrutura da inteligência que conhece, relacionando assim as duas correntes de Descartes e Hume em uma só idéia, o idealismo subjetivo. Então o nosso conhecimento sobre algo é o resultado do que já sabemos sobre esse objeto empregando a razão, e o que conhecemos logo através da experiência.
Em suma: "das coisas, nós só conhecemos a priori aquilo que nós mesmos nelas colocamos" Agora, então está claro qual é, para Kant, o fundamento dos juízos sintéticos a priori: é o próprio sujeito que sente e pensa, ou melhor, é o sujeito com as leis da sua sensibilidade e do seu intelecto.
Kant ilustrou a razão, como a imaginava o iluminismo. O iluminismo é o que liberta o homem, leva o homem a se “iluminar”, usando seu próprio entendimento. A razão só se limita por si mesma, a razão é única para toda a humanidade, fixa em sua natureza, e se desenvolve no tempo, sob o comando de sua essência. Já a razão ilustrada é tolerante, flexível e se opõe.
Na verdade o pensamento de Kant tentou ir além e resumir o racionalismo e o empirismo. Na sua crítica, ele quis libertar a alma do determinismo, dotando-a de vontade própria, propondo a virtude como ação universal, para o desenvolvimento do homem, através da arte e seu conhecimento. Com tudo isso Kant, sai de uma encruzilhada e cria uma tripla dificuldade para o idealismo: O idealismo Transcendental, a incompatibilidade entre a razão da teoria e a prática da razão e a “coisa em si”
Aqui nos cumpre analisar qual o sentido mais próprio do termo "transcendental", que atravessa de um lado a outro a Crítica da razão pura. O qual é usado frequentemente e foi definindo pelo próprio filósofo como: "Chamo “transcendental” todo conhecimento que não se relaciona com objetos, mas sim com o nosso modo de conhecer os objetos, enquanto for possível a priori". Os modos de conhecer os objetos a priori pelo sujeito são a sensibilidade e o intelecto; portanto, Kant chama de transcendentais os modos ou as estruturas da sensibilidade e do intelecto. Essas estruturas, portanto, enquanto tais, são a priori, precisamente porque são próprias ao Sujeito e não do objeto, mas são estruturas de tal natureza que representam as condições sem as quais não é possível nenhuma experiência de nenhum objeto. O transcendental, portanto, é a condição de se conhecer os objetos.
Ora, para a metafísica clássica, transcendentais eram as condições do ser enquanto tal, ou seja, aquelas condições sem as quais o próprio objeto deixa de existir. Depois da revolução proposta por Kant podemos ver que existe somente o objeto-em-relação-ao-sujeito: transcendental é aquilo que o Sujeito põe nas coisas no ato mesmo de conhecê-las. Conhecimento transcendental pode denominar a forma como os fenômenos sociais são assimilados pelo sujeito, e este aplica a sua razão para poder normatizá-los com a melhor identidade possível ao perfil do Estado que se vive.
Kant viabilizou na sua filosofia a ciência e a religião. O que traz margem para se pensar que se seus conceitos fossem relegados a uma teoria impraticável. Pois deixava as duas, a ciência e a religião, livres para validar suas teses, visto da impossibilidade de provas efetivas e seguras, poderia certamente abrir caminhos para a especulação da fé e da ciência, no entanto sua filosofia tornou-se bastante estudada e discutida, o que comprova que a natureza contraditória em sua filosofia, abre tantas possibilidades tanto de um lado(ciência) como de outro(fé).
Kant partiu para destruir a metafísica, e destruiu, isto numa interpretação simplória, no entanto percebeu que sem ela o homem perderia o rumo e diante dessa constatação, "inventou" uma condição ideal para alocar a metafísica, sem destruir seu trabalho anterior, aboliu a razão da moral.
É ambíguo, como freqüentemente se diz destruir para construir, no entanto o que Kant considerou como despercebida na primeira "Crítica" retomou na segunda. Na "Crítica da Razão Pura" disse que as verdades que tinham sido consideradas como de maior nível no conhecimento humano não tinham um fundamento na metafísica, isto é, no raciocínio puramente especulativo. Na "Crítica da Razão Prática" quer dizer que estas verdades permanecem sobre uma sólida base moral, e estão, então, à margem de toda disputa e do clamor das disputas metafísicas.
Contudo para finalizar o texto, uma reflexão é necessária: se Kant dá abertura ao idealismo, cuja centralidade se faz também no subjetivismo, foi sua teoria responsável também por gerar o individualismo presente hoje na sociedade pós-moderna? Claro que a intenção do subjetivismo de Kant não era essa. O sujeito transcendental em Kant (sujeito aquele que não está mais na órbita, mas no centro, conforme já discorrido anteriormente) é uma estrutura que se encontra em toda a humanidade. É nesse sentido de algo, digamos, universal, presente como estrutura em todos, que Kant chama de transcendental.
Portanto, a interpretação dada posteriormente ao subjetivismo transcendental kantiano de algo que leva ao individualismo parece-nos, para os que se aprofundam na teoria do filósofo, algo anacrônico. A teoria kantiana é justamente buscar uma universalidade para sua teoria do conhecimento. A propensão ao individualismo nasceu depois, não é, por assim dizer, uma preocupação kantiana a priori.
Críticos e historiadores não estão de acordo quanto ao posto do Kant entre os filósofos. Alguns avaliam suas contribuições à filosofia tão altamente que consideram suas doutrinas ser a culminação de todo o havido antes dele. Outros, pelo contrário, consideram que ele fez um mau ponto de partida quando assume em seu criticismo da razão especulativo que se houver algo universal e necessário em nosso conhecimento deve provir da mente mesma, e não do mundo real externo. Estes oponentes do Kant consideram, além disso, que enquanto ele pôs o talento sintético capacitando-o para construir um sistema de pensamento, faltou-lhe na qualidade analítica pela qual o filósofo é capaz de observar o que atualmente acontece na mente. E em um pensador que reduz toda a filosofia a uma exame do conhecimento a carência da habilidade de observar o que atualmente ocorre na mente é um defeito sério. Mas, seja o que for pode ser nossa estimativa do Kant como filósofo, não podemos desvalorizar sua importância.
BIBLIOGRAFIA
ENCICLOPEDIA CATÓLICA http://ec.aciprensa.com